Na Primeira postagem acerca do Controle de Constitucionalidade, foi definido que este se divide entre controle concentrado e controle difuso, sendo o primeiro exercido principalmente através de ADPF e ADI, e o segundo exercido principalmente através dos recursos Extraordinários. Logo em seguida foi tratado do fenômeno da recepção das normas, destacando-se que para uma norma ser recepcionada pela nova ordem constitucional, ela deve preencher alguns requisitos:
1- A norma deve ter
sido editada antes da Constituição atual.
2- A norma deve se
encontrar em vigor.
3- A norma deve ter
compatibilidade meramente material com a nova Constituição.
4- A norma deve ter
sido materialmente e formalmente compatível com a Constituição da
época em que foi editada.
Destes fatos extraem-se
portanto duas regras: não existe constitucionalidade superveniente,
e também não existe inconstitucionalidade superveniente (porque
neste caso estaríamos falando de recepção, e não de
constitucionalidade). Essas regras, contudo, comportam exceções.
No primeiro caso, uma exceção poderia
ser encontrada na criação do Município de Luís Eduardo Magalhães.
Esse Município foi desmembrado a partir da cidade de Barreiras, na
Bahia, e, após cinco anos de existência, com a burocracia municipal
já formada e consolidada, foi proposta a ADI 2240, defendendo a tese
de que a sua criação havia sido inconstitucional. E sobre quais
argumentos a tese da inconstitucionalidade foi levantada? O Capítulo
I do Título III da Constituição Federal de 1988 assim dispõe
sobre a organização político-administrativa do Estado:
“
Art.
18. A organização político-administrativa da República Federativa
do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
§
1º Brasília é a Capital Federal.
§
2º Os Territórios Federais integram a União, e sua criação,
transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão
reguladas em lei complementar.
§
3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou
desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou
Territórios Federais, mediante aprovação da população
diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso
Nacional, por lei complementar.
§
4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de
Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período
determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta
prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios
envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal,
apresentados e publicados na forma da lei”
Ou seja, a criação de
Municípios é feita por lei estadual, condicionada a um Plebiscito e
após a divulgação dos estudos de viabilidade Municipal.
Ocorre que a Lei
Complementar Federal não havia sido editada na época ( e ainda não
foi editada até hoje), o que resultou no desrespeito aos parâmetros
definidos no texto constitucional. Dessa forma, a lei de criação do
município era claramente inconstitucional
Devido às condições
práticas envolvidas no caso, o STF decidiu pela
inconstitucionalidade da lei, porém modulou os efeitos da decisão
(assunto que será tratado em postagens futuras), para que ela só
passasse a ter efeitos a partir de 24 meses depois de seu
pronunciamento, período que seria suficiente para que o Congresso
Federal editasse a lei necessária para regular a criação de
municípios, para que então fossem corrigidas as irregularidades do
ato de criação de Luís Eduardo Magalhães.
Ocorre que o Congresso
Nacional permaneceu inerte nesse período de 24 meses, o que gerou um
temor em relação aos efeitos negativos que a administração de
Luís Eduardo Magalhães poderia sofrer. Pouco antes do prazo se
esgotar completamente, contudo, o Congresso Nacional editou a Emenda
à Constituição (EC) nº 57/2008, dispondo o seguinte:
Art.
1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a
vigorar acrescido do seguinte art. 96:
"Art.
96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão,
incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido
publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos
estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua
criação."
Art.
2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua
publicação.
Ou seja, o Congresso
convalidou, por meio de uma emenda, a criação do Município de Luís
Eduardo Magalhães. Curiosamente, a publicação da referida emenda
representou a segunda exceção ao princípio da vedação à
constitucionalidade superveniente: a hipótese de o Congresso
convalidar um ato por meio de uma emenda. Esse tema não é pacífico,
contudo, na doutrina, e muitos estudiosos têm argumentado que a EC
57/2008 é inconstitucional. No âmbito jurídico, contudo, a questão
ainda não foi debatida, pois o STF ainda não teve a oportunidade de
se manifestar sobre esse tema.
Já no caso da segunda
regra, referente à vedação da inconstitucionalidade superveniente,
podemos encontrar uma exceção no fenômeno da mutação
constitucional. E o que isso significa? A mutação constitucional
acontece quando a interpretação de uma determinada norma
constitucional muda devido a mudanças ocorridas na sociedade. O
texto da Constituição, contudo, permanece o mesmo, e nenhuma lei é
editada no ordenamento jurídico, e, por essa razão, esse fenômeno
é visto como uma manifestação do “poder constituinte difuso”,
que seria exercido pelo povo por meio de decisões judiciais que
cristalizam mudanças sociais mais amplas. Foi o que aconteceu com o
caso da ADI 4277, que versava sobre a possibilidade do casamento
homoafetivo no Brasil. Assim dispõe a Constituição em seu artigo
226:
Art.
226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
§
1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§
2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§
3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento.
Por
sua vez, no Código Civil, encontramos a seguinte redação:
Art.
1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se
autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais,
enquanto não atingida a maioridade civil.
Percebe-se que a
redação da Constituição não vedava expressamente o casamento
homoafetivo no Brasil, e, pelo seu texto, é possível extrair duas
interpretações: uma delas, mais literal, e que vigorava até o
período anterior da ADI 4277/2011, dizia que a Cf/88 não previa
expressamente o casamento homoafetivo, e, logo, este não seria
possível, inclusive porque a redação do Código Civil de 2002 era
ainda mais restritiva do que a constitucional. A segunda
interpretação, que tornou-se obrigatória nos cartórios e
tribunais a partir de 2011 por determinação do STF, defendia que se
a CF/88 não permitia expressamente, e também não vedava o
casamento homoafetivo, então essa lacuna deveria ser preenchida por
meio de uma interpretação focada nos Princípios Constitucionais,
que estão dispersos pela Cf/88, com o objetivo de se interpretar o
texto como um todo coerente. A Constituição, por sua vez, previu o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um dos seus pilares
fundamentais, e, logo, concluiu-se que interpretar o artigo 226 da
cf/88 restritivamente seria uma ofensa a esse princípio fundamental,
e tornaria o sistema incoerente como um todo. Logo, o STF determinou
que o artigo 226 §3º deveria ser obrigatoriamente interpretado de
forma ampliada, e, como resultado, o casamento homoafetivo passou a
ser permitido no Brasil, sem que houvesse qualquer necessidade de
mudança no texto legal.
A segunda possibilidade
de exceção se refere à mudança do substrato fático da norma. o
exemplo mais recente acerca desse fenômeno ocorreu com a proibição
do uso do amianto na ADI 3937. Esta ação havia sido proposta pela
Confederação nacional dos Trabalhadores da indústria, contra a Lei
12.687/2007 do Estado de São Paulo, que proibiu o uso do amianto
naquele estado. O STF julgou a ação improcedente e,
incidentalmente, julgou também pela inconstitucionalidade do artigo
2º da Lei Federal 9.055/1995, que permitia o uso controlado dessa
substância. Na época em que havia sido editada a lei 9055/95, a
comunidade científica considerava que o uso do amianto era possível,
sob determinadas regras. Contudo, houve uma evolução tecnológica,
possibilitando o uso de substâncias substitutivas ao amianto, e
novos estudos mostraram que esse mineral era muito mais cancerígeno
do que antes se pensava. Ou seja, por causa do substrato fático, que
no caso era o conhecimento científico acerca dessa substância, a
constitucionalidade de uma lei foi modificada.
Estas são, portanto, as exceções às
duas regras gerais do controle de constitucionalidade. Esse post foi
feito tendo como base as aulas do Professor Pedro Lenza no Programa
Saber Direito, as quais eu recomendo o estudo.